Melotron boemia
Conexões com Led Zeppelin e coincidências transcendentais: Fred 04 fala sobre o show que vai fazer com o repertório do disco “Nelson Cavaquinho”, dia 29 de setembro, no Sesc Santana, dentro do projeto 73 Rotações — que, com curadoria da Radiola Urbana, promove quatro shows de artistas contemporâneos recriando discos clássicos de 1973. Leia!
O que você acha do Nelson Cavaquinho?
Um sujeito que começa uma canção com o verso do naipe de “pode sorrir pra quem você quiser” era uma alma diferenciada. E tem uma coisa muito louca, que eu fiquei até chocado quando eu comecei a mergulhar mais nesse disco. Teve um momento nesse processo que eu fiquei achando que eu poderia ser a reencarnação de Nelson Cavaquinho, porque tem uma introdução de um samba dele, “Vou Partir”, que é igual a de “Free World” (faixa do Mundo Livre S.A.), cara. E eu nunca tinha ouvido. A introdução de “Free World”, eu compus lá pelos idos de 94-95 e eu já conhecia Nelson Cavaquinho, as músicas mais antológicas. Mas eu ainda não dominava muito bem as harmonias de cavaquinho e eu coloquei umas posições, uns acordes meio toscos, meio improvisados, que são idênticos aos da introdução de “Vou Partir”. É uma coisa muito louca – tanto que, pra disfarçar um pouco, no show eu vou tocar com violão, saca? O cavaquinho é exatamente igual. Ele é um gênio da harmonia. Eu vou fazer umas brincadeiras no show, tem música dele que eu vou emendar com Led Zeppelin porque ele tem harmonias que lembram muito Jimmy Page. E ele era um cara completamente autodidata. Essa oportunidade me fez ter uma noção mais completa do que representa pra música brasileira o legado de Nelson Cavaquinho.
E esse lance dele tocar só com dois dedos?
Cara, isso coloca um desafio foda. Tem música que ele gravou nesse disco, como “Se Eu Sorrir”, que são tão toscas que você não encontra cifra dela em nenhum lugar da internet. Eu passei uma manhã de domingo inteira pra tirar a harmonia dessa música que, na época, o arranjador do disco talvez não tinha tido paciência de escrever a cifra. Porque era um disco da Odeon, tinha aquela coisa de linha de montagem, de produção industrial, mas eu tive que passar uma manhã inteira e consegui tirar a harmonia. Me orgulho pra caralho disso.
Você vê alguma afinidade no seu jeito de fazer letra com o jeito dele?
Ah, lógico. Uma coisa interessante também é que eu tô pra lançar um álbum de um projeto paralelo meu que é só voz e violão e chama “Universal Creative Economy”. São músicas mais conceituais e que não encaixam muito no repertório do Mundo Livre. Quando eu comecei a trabalhar nesse repertório do Nelson, eu lembrei de um samba que eu nunca tinha conseguido acabar, que eu compus no cavaquinho, e eu consegui acabar agora por conta desse mergulho na obra de Nelson. E eu percebi o quanto temperamento é o mesmo, tanto que a obra dele me ajudou a terminar o meu samba. Aí eu vou incluir nesse disco, “Deus é Uma Alma Milionária”, esse samba que chama “Passando a Régua”.
Qual é a banda do show?
Eu vou contar uma historinha pra resumir. Um tempo atrás eu saí pra um bar lá em Recife e estava tocando uma banda de choro. Na hora, eu vislumbrei um projeto. Quase toda noite eu vislumbro um projeto, mas esse era que eu podia recriar o choro numa vibe mais trip hop, mais Portishead, Massive Attack. Até peguei o contato dos caras, a ideia era chamar alguns deles pra fazer essa vibe de choro e acrescentar scratch, DJ e MC. Mas a roda viva da estrada deixou isso pra trás. Quando rolou essa parada, pensei em resgatar a ideia. Então eu chamei um DJ, Renato da Mata, que é especialista em hip hop, trip hop; um percussionista que é meio da escola de Naná Vasconcellos – quando toca berimbau, num toca capoeira, ele gosta de transgredir, é meio iconoclasta da percussão, é o Lucas dos Prazeres, que toca com o Spock; e do Mundo Livre só tem o (tecladista) Léo D, principalmente porque eu adoro o jeito que ele toca melotron. O conceito que vai nortear esse show é mais ou menos “melotron boemia”.
(Por Filipe Luna e Ramiro Zwetsch)