O mistério do afrobeat
Tony Allen é o inventor de uma linguagem musical e poucos instrumentistas no mundo podem se orgulhar disso. Como integrante das bandas The Koola Lobitos e Africa 70, que acompanhavam Fela Kuti, o baterista nigeriano criou as estruturas rítmicas que definiram o gênero afrobeat – uma evolução do highlife africano sob o impacto das influências norte-americanas do jazz e do soul. O músico se apresenta no Brasil no Nublu Jazz Festival na quinta 21 (no Sesc São José dos Campos) e na sexta 22 (no Sesc Pompeia, em São Paulo) ao lado do saxofonista brasileiro Thiago França (integrante do Metá Metá). A parceria não é de hoje: eles já tocaram juntos em algumas ocasiões – uma delas antológica, em show do Metá Metá com Allen na bateria ao lado de Serginho Machado, na saudosa Serralheria (em São Paulo), em 2013. No ano seguinte, foi lançado um compacto em vinil com duas faixas que atestam em estúdio a boa química vista no palco entre a banda e o baterista.
“A gente já toca junto há algum tempo, ele é um músico experiente. Eu gosto de trabalhar com ele, há muita troca de ideias”, disse o nigeriano à Radiola Urbana por telefone, na terça, 19. A confiança no bom entendimento entre os dois é tamanha, que ele admite nem saber muito bem ainda qual será o repertório ou com que formação eles vão tocar. “Vamos nos encontrar e ver o que vai rolar. Vamos fazer acontecer. Vai depender muito da atmosfera, talvez a gente tenha algum convidado. Eu não sei.” A capacidade de improviso dos dois e as gravações anteriores, no entanto, asseguram um bom ponto de partida para as apresentações.
Tony Allen gravou mais de 30 LPs com Fela Kuti, entre eles os clássicos “Expensive Shit” (1975), “Zombie” (1976) e “Sorrow, Tears and Blood” (1977). Sobre o mistério de sua batida, ele explica com naturalidade que simplesmente precisava fazer algo diferente. “Eu já tocava bateria há muito tempo e tinha uma ambição: eu queria criar algo e não tocar como os outros. O que eu fiz não consigo analisar. Eu apenas queria fazer algo diferente dos outros.” Seu estilo com as baquetas instigou, inclusive, os músicos de James Brown durante uma turnê em Lagos (capital nigeriana), em 1970. Em entrevista anterior à Radiola Urbana, feita em 2004, ele lembrou o episódio. “Um dos músicos ficou ao meu lado durante todo o concerto. Observava como eu tocava e fazia anotações em um papel”. O próprio Brown escreveu sobre isso em sua autobiografia. “A banda de Fela tinha um ritmo muito forte. Acho que (o baterista) Clyde (Sttublefield) absorveu aquilo em seu jeito de tocar.”
Paralelamente à carreira com a Africa 70, o baterista gravou seus primeiros LPs solo: “Jealousy” (1975), “Progress” (1977), “No Accommodation For Lagos” (1978) e “No Discrimination” (1979). Justamente nesse período, do meio para o fim da década de 1970, a tensão entre Fela e o governo militar nigeriano explodiu para níveis insuportáveis – o músico foi preso e agredido inúmeras vezes. Os integrantes da banda, naturalmente, também sofriam com a violência do estado. O baterista, então, decidiu deixar a banda em 1979 e mudou-se para Paris. Allen já não tem paciência pra lembrar dessa fase. “Você me pergunta coisas do meu passado, não quero mais falar sobre isso. Eu escrevi um livro, está tudo lá”, desabafa, referindo-se ao livro escrito junto Michael E. Veal, “Tony Allen – An Autobiography of the Master Drummer of Afrobeat”, lançado em 2013.
A pouca ou nenhuma disposição para falar dos eventos de 40 anos atrás não é à toa. Desde 1998, o baterista gravou mais de dez álbuns em que explora uma experimentação do afrobeat com outros gêneros, como dub e música eletrônica. O compositor britânico Damon Albarn (das bandas Blur e Gorilaz) frequentemente convoca o nigeriano para projetos e gravações. Em 2017, o baterista lançou um EP pela gravadora Blue Note com quatro faixas do repertório do baterista de jazz Art Blakey. “Ele é o meu ídolo, adoro seus trabalhos com os Jazz Messengers. Quando fui fazer o tributo com as músicas dele, fiz do meu jeito”, diz. “Não tenho muitos ídolos. Art Blakey, apenas.” A abordagem de Allen para a linguagem jazzística é, mais uma vez, uma surpresa e um enigma: suas baquetas reinventam o gênero e oferecem uma leitura muito particular para clássicos como “Moanin’” e “A Night in Tunisia”.
É este senhor, que completará 80 anos em 2020, que subirá aos palcos brasileiros nesta semana. O privilégio de observar o mistério de sua batida ao vivo não deve ser desperdiçado.
Tony Allen e Thiago França
Quando: 21 de março
Onde: Sesc São José dos Campos
Quanto: R$ 50,00 (inteira), R$ 25,00 (meia) e R$ 15,00 (comerciário)
Quando: 22 de março
Onde: Sesc Pompeia
Quanto: R$ 60,00 (inteira), R$ 30,00 (meia) e R$ 18,00 (comerciário) – INGRESSOS ESGOTADOS