Guitarra Avante
Em novo disco, Siba abandona a rabeca, o maracatu e banda Fuloresta e se impõe limites para expandir a sonoridade — influenciada por rock, música africana e canção de viola. “Avante” é produzido por Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, e conta com uma formação autêntica: guitarra, bateria, tuba e vibrafone.
Há cerca de 5 anos, enquanto finalizava “Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”, o segundo disco com a Fuloresta, Siba estava inquieto. Prestes a concluir o trabalho mais elogiado pela crítica, indicado inclusive ao Grammy latino, o líder da banda sabia que os limites do maracatu não continham mais sua música. “Aquela formulação de vida e trabalho já não dava mais conta da complexidade da minha pessoa”, explica. “Não que deixou de ser verdadeiro, mas precisava buscar algumas respostas”. Começava ali a nascer “Avante”, primeiro álbum solo que Siba lança este mês. Antes de avançar, no entanto, foi necessário ver o mundo sair do lugar sem saber que passo dar.
Mudança não é algo estranho na vida de Sérgio Veloso, recifense de 43 anos. Foi empunhando a rabeca à frente do Mestre Ambrósio que o artista Siba surgiu na música brasileira, nos anos 90. O sucesso da banda, de sonoridade carregada de influências de música regional como o forró, não impediu o músico de dar outro passo e sair do lugar. Em 2002 ele partiu para Nazaré da Mata, cidade na zona da mata de Pernambuco, para mergulhar no modo de vida do maracatu. Foram cinco anos de convívio intenso com Biu Roque e outros mestres que renderam dois álbuns com a Fuloresta, a banda que formou. “Acho maracatu a coisa mais incrível que tem em Pernambuco e no Brasil”, afirma. Depois de um período intenso, em que compunha diariamente respeitando os cânones da tradição, Siba foi brecado pelo baque solto da própria vida. “Eu como assunto passou a ser uma coisa muito séria pra mim”, avalia. Sem encontrar as palavras para falar de si, o compositor sofreu com um bloqueio criativo.
O começo e o fim de “Avante” atende pelo nome de Vicente, o filho de Siba. “Ele é a linha que costurou toda essa história, as questões que a existência dele me propuseram”, explica. “Não é que o disco seja sobre ele, mas sem ele não haveria o disco”. Mais ou menos na mesma época, o músico impressionou-se com “O método tufo de experiências”, segundo disco do Cidadão Instigado. As letras pessoais de Fernando Catatau, guitarrista e líder da banda, apontaram o caminho para Siba encontrar a própria maneira de ser assunto de suas composições. O músico queria também trocar a rabeca pela guitarra para trabalhar uma nova sonoridade. O encontro foi inevitável: Catatau produz o disco. “Ele foi o grande interlocutor na minha volta à guitarra, foi muito duro reaprender o instrumento”, elabora. “Tinha nele um cara a quem eu podia me reportar. Ele sempre tinha algo a acrescentar e me ajudou a encurtar esse caminho”.
Sem os limites da tradição do maracatu, Siba se impôs outros para dar corpo à “Avante”. Os principais eram: voltar à tocar e compor na guitarra, montar uma banda pequena e explorar questões pessoais nas letras. “Esse é meu método de trabalho”, explica. “É um jeito de não se perder numa babel de informação. Tenho dificuldades de me focar se não me impor limites”. Com os ingredientes à mão, foi mais fácil encontrar a mistura ideal. O trio que o acompanha é pouco ortodoxo: bateria, tuba e vibrafone, com teclados ocasionais. As influências sonoras incluem a canção de viola (subgênero da cantoria de viola, o famoso repente nordestino), o rock e a música africana – principalmente a congolesa, com atenção especial ao guitarrista François Luambo Makiadi, o Franco. Siba conjuga tudo isso na sua própria linguagem. “As coisas que mais gosto tem um parentesco de som e de timbre, música que vai ao limite da saturação dos instrumentos chegando ao ruído. Meu gosto pela música africana tem a ver com isso também”.
A combinação resulta única em “Avante” – que o artista lança em dois shows, dias 9 e 10 de fevereiro, no Sesc Vila Mariana. Existe a marca inegável de Catatau na sonoridade. Mas Siba alcança no disco a pessoalidade que queria atribuir às canções, sem perder sua linguagem nas letras, sua regionalidade. Depois de tantos questionamentos e buscas pessoais, o álbum empurra o músico para a direção que o título aponta. Siba indubitavelmente dá seu passo. “Fiquei feliz com a solução: economizei com psicólogo e resolvi assim”.
FAIXA A FAIXA – SIBA COMENTA “AVANTE”:
Preparando o salto: Fala do sentimento de fragmentação, de questionar tudo que você fez e duvidar do que vai fazer.
Brisa: É uma ciranda que cantei originalmente com a Fuloresta, tem uma ligação direta com a música da Mata Norte.
Ariana: Essa dialoga com o universo das canções de violeiros: são músicas meio aboleradas que os poetas cantam sem improvisar.
Cantando ciranda na beira do mar: É de quando lia histórias pro meu filho. Tem a ver com poesia épica, Homero, essa coisa trágica de acabar sempre com a morte.
A bagaceira: Essa é sobre meus primeiros carnavais em Olinda e Recife, mas nunca fui tão fundo na cachaça como digo na música.
Canoa furada: Essa é bem autobiográfica. Tentando rir de você mesmo num momento difícil.
Mute: Tem a ver com o bloqueio criativo. É o momento do silêncio, abrir a boca e não sair nada.
O verso preso: É a formulação desse bloqueio. Ter uma coisa para dizer sem saber como, a sensação de levar o tiro em vez de ter dado.
Avante: É justamente o oposto, o momento em que encontro a saída. É uma cantoria de viola tradicional com uma pegada punk rock.
Qasida: Tem a ver com não estar em canto nenhum e ter as raízes em vários lugares. A música tem muito do oeste africano e solo do Catatau na guitarra.
Bravura e brilho: É a música mais congolesa do disco, bem Franco. É a descrição da primeira infância do meu filho, da identificação dele com o herói.
(por Filipe Luna)
*matéria publicada originalmente no Caderno 2 + Música, edição de 7 de janeiro de 2011
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