Dobradinha de raiz forte
Dezoito anos separam o lançamento de “undun”, décimo terceiro álbum do combo The Roots, e o primeiro trabalho da banda, “Organix”, de 1993. Contemporâneo dos Native Tongues e da era de ouro do gênero, o grupo liderado pelos verborrágicos Ahmir “?uestlove” Thompson e Tarik “Black Thought” Trotter se acostumou a definir tendências para o estilo desde o lançamento do espetacular “Things Fall Apart”, de 99. A partir daí, é clássico atrás de clássico. Obviamente, há albuns mais fracos e irregulares. Mas a sequência “Things Fall Apart” (99) / “Phrenology” (02) / “The Tipping Point” (04) / “Game Theory” (06) e ” How I Got Over” (09) é suficiente para fazer qualquer fã de rap tirar o chapéu para esta banda da Philadelphia.
Em 2011, ?uestlove e cia. parecem ter pego todo mundo de calças curtas novamente. Em menos de dois meses, foram lançados nada menos do que DOIS álbuns conduzidos pela banda. O primeiro, “Betty Wright – The Movie”, é uma espécie de tributo do grupo à diva. A atmosfera anos 80 cria texturas perfeitas para os açucarados vocais de mrs Wright, e o recado fica mais do que claro; The Roots acaba, oficialmente, de transcender o rap. Novidade? Não para a banda que em 2002 gravou o clássico “The Seed 2.0”, com participação de Cody Chesnut, possivelmente o maior crossover do gênero na década passada. “Betty Wright – The Movie” seria por si só um lançamento apoteótico para a banda. Eis que, no início de dezembro, The Roots disponibilizam o long-play “undun” (Def Jam), uma paulada conceitual que só pode ter sido fruto da mente hiperventilada de ?uestlove. As quatorze faixas e menos de 40 minutos avisam, será rápido e quase indolor. O tema é o (fictício) personagem Redford Stephens, nascido em Nova York nos anos 70 e tragicamente morto em 1999 – ponto de partida para o início do LP.
O time de emcees e cantores envolvidos no projeto é grande, e ainda assim, todos conseguem emprestar seus estilos e visões ao personagem, de forma que Stephens acaba sendo o resultado de uma construção coletiva. Além de Black Thought, os rappers Dice Raw, Phonte, Truck North, Greg Porn, Big K.R.I.T. e os cantores Bilal e Aaron Earl Livingston completam a múltipla personalidade do personagem. O aplicativo digital que acompanha o CD e/ou LP apresenta loucuras como entrevistas com familiares, professores e amigos de Stephens, além dos próprios vídeos das faixas do álbum — quatro deles divulgados antes do lançamento do disco e que, somados, funcinam como um curta-metragem de nove minutos.
Musicalmente, o disco flui de forma espetacular, menos agressivo que seus antecessores, cheio de variações orquestradas pela bateria quase perfeita de ?uestlove. Percussão, baixo e teclado completam os arranjos sempre muito bem executados, cortesia dos veteranos Ben, James Poyser e Hub. Fãs de rap, não desistam ainda. O boom-bap ainda é o carro-chefe de “undun”: faixas como “On Time”, (o single) “Make My”, “Kool On” e” The Other Side” deverão ser suficientes para que os die-hards do estilo abram um sorriso e finjam nem se incomodar com experimentações e crossovers como “Lighthouse”, faixa que pode gerar polêmica entre os fãs do combo. Como toda estória tem seu final, o The Roots reservou às quatro últimas faixas — todas instrumentais — algo apoteótico, melancólico e sincronizado com o destino do personagem Redford Stephens.
O 4 em 1 “Redford”, “Possibility (2nd Movement)”, “Will To The Power” e “Finality” fecha o disco de forma inusitada, nos remete ao The Roots cabeçudo de faixas como a complexa “Water” (tributo da turma ao ex-membro Malik B, afastado da banda por “má conduta” a.k.a. envolvimento com tóXico), do álbum “Phrenology”. O conceitual “undun” mostra que o The Roots, mesmo há quase 20 anos na estrada e já tendo se reinventado nessa trajetória, ainda tem muita lenha pra queimar.
(Por Pedro Pinhel)
No comments
Trackbacks/Pingbacks